domingo, 16 de janeiro de 2011

Prólogo:

Os curiosos acontecimentos que são o objeto dessa narrativa ocorrem num futuro não muito distante. Após o fim do mundo, vivendo a era da nova barbárie, os sobreviventes da espécie humana, divididos entre nômades e sedentários, guerreiam entre si. Os sedentários, autodenominados novos homens, que habitam abrigos nucleares, organizaram a sociedade em torno de sua principal preocupação que é conseguir carne não radioativa. As populações nômades expostas por quatro décadas à radiação passaram a gerar filhos imunes mas, por algum motivo genético isso não ocorreu com as demais espécies e nem com os sedentários "protegidos" em abrigos nucleares. Essas populações consideradas selvagens são caçadas como alimento. O idioma usado é a "mescla" uma mistura de várias línguas extintas, repleto de expressionismos verbais e neologismos, onde as palavras significam tanto pela sonoridade quanto pelo sentido literal. A civilização e seus ideais morreram e o que existe é a composição de um mosaico feito de fragmentos, vestígios e resquícios construído no andar da carruagem, carruagem que carrega sobreviventes, que transita no caos, o verdadeiro caos. Liberto dos antigos paradigmas o embrião passeia pelas ruínas da humanidade e vai colhendo entre erros e acertos o material do novo saber. Tudo é visceral, não existe superficialidade, é morrer ou morrer. A radioatividade provocada pelas bombas quase desapareceu e a temperatura do planeta vem normalizando-se nos últimos 10 anos. A única carne comestível para os novos homens, não contaminada, é a humana. Selvagens são caçados por mercenários e concentrados em campos de abate como matéria-prima para produção de "carne doce". Até agora todas as revoltas e insurreições feita pelos selvagens foram derrotadas pelo exército dos novos homens sob o comando do general Chocho. A esperança para os nômades demorou a surgir mas, quando veio, veio com força. Falo sobre o momento em que morte e contra-morte se juntam numa só pessoa para assolar o domínio dos novos homens. O ímpeto, o ódio, o aço e a ferina transbordam em Cão Luzir, líder dos selvagens e exímio matador de novos homens, mulheres, velhos, crianças e tudo o que anda, salta, voa, caminha ou rasteja. Guerrilheiro selvagem, tão ou mais cruel que os seus inimigos. O lacaio Cornélio, caçador de nômades, foi o primeiro duma série de líderes sedentários a morrer esquartejado durante o assalto ao paiol de munições praticado por Cão Luzir. Os produtores de carne doce feita através da moagem de prisioneiros nômades, pagam em ouro às gangues de traidores selvagens e milícias para a proteção do roubo acumulado, o gado humano e os haréns dos sedentários. Porém, as milícias tremem ao pensar em Cão Luzir, o transfigurado. No imaginário, só o mito de Belzebu se compara a Cão Luzir sempre paramentado de garrucha, adaga, machado, punhal e fuzil. E junto ao Cão vem a matilha que não tem preço, nem tamanho, nem focinheira, nem respeito. É a morte! E com a morte trovejam as canhoneiras e num contínuo só se bebe cuias de sangue até deus decretar o fim dos esquartejamentos e o início dos saques. Então o mundo é palco da anarquia libertária da matilha. Tudo parece paz, parece concórdia, parece amizade.

Eduardo Simch

Texto original do conto A Grande Noite dos Tempos, de Eduardo Simch e agora quadrinizado por Amaro Abreu.

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